CONCÍLIO DE TRENTO (1545-1563)

 



   Eis que chegamos aqui em um dos momentos mais complicados da história da Igreja e da humanidade. Após várias reuniões conciliares sem grandes frutos por vários séculos, era chegada a hora do grande desafio para a Santa Igreja, deter o protestantismo nascido do religioso heresiarca Lutero que disseminava seus erros contra a fé levando vários povos à apostasia na época em toda a Europa. Em uma época de grande crise no meio eclesiástico e na sociedade civil, era inviável acreditar que um concílio teria tanta eficácia e seria tão perfeito quanto este, combatendo todos os erros do protestantismo e fazendo uma grande reforma na Igreja, combatendo abusos, desenvolvendo melhor a liturgia e etc. 

   O Concílio Tridentino é um grande exemplo de como o Espírito Santo age na Santa Igreja Católica em momentos de turbulência, provando mais uma vez que a promessa de Nosso Senhor acerca da invencibilidade da Igreja é algo concretíssimo.

O Contexto do Protestantismo




   Martinho Lutero publicara, em 31 de Outubro de 1517, suas 95 teses em Wittenberg. Em 15 de junho de 1520, assinou o papa Leão X a bula de ameaça de excomunhão contra Lutero (Exsurge Domine). A excomunhão foi efetivada em 3 de janeiro de 1521. Com isto ficava selada a divisão religiosa e política da  Alemanha.

    Do mesmo modo que nos concílios de Constança, Basileia e Latrão V, alguns líderes católicos viam a necessidade de reforma e de uma depuração completa dentro da própria Igreja, especialmente no papado e na cúria. No entanto, alguns grupos protestantes tinham uma concepção inteiramente diferente de reforma, pois não acreditavam que bastaria apenas reformar ou reparar doutrinas, a hierarquia e os rituais da Santa Igreja. Como a maioria dos grupos protestantes não acreditava que essas peculiaridades católicas pertencessem de facto à Igreja, o seu objetivo era o de fazer com que os cristãos as rejeitassem totalmente para poderem retornar àquilo que, em sua opinião, Jesus havia desejado desde o início. Por essa razão, o protestantismo se encaixa na historia como uma revolução de facto, não como uma reforma.

   O calvinismo é um bom exemplo dessa oposição fundamental às estruturas da Igreja, bem como da oposição ao desejo dos católicos de apenas repará-las ao invés de rejeitá-las por completo. João Calvino e seus discípulos do século XVI consideravam que as primeiras comunidades cristãs descritas nos Atos dos Apóstolos eram o modelo ideal a ser resgatado. Eles tinham a intenção de reintroduzir os cargos sobre os quais haviam lido nos Atos dos Apóstolos, que eram os de diáconos, mestres, pastores e anciãos. Essa abordagem eliminava completamente os bispos, pelo menos do modo como os católicos os conheciam, e certamente o papado, o colégio de cardeais e a cúria. Eles também encontraram nos Atos dos Apóstolos alguns precedentes sobre um modo mais participativo de governar a Igreja, que tendia ao conciliarismo medieval que havia atingido o seu apogeu no Concílio de Constança. Portanto, o desafio da autoridade papal pelo conciliarismo no século XV, especialmente durante o Concílio de Constança e entre os seus defensores mais radicais durante o Concílio de Basileia também se tornou parte integrante do contexto do protestantismo.

   Em consequência disso, durante o século XVI, a Igreja teve de enfrentar objeções aos seus principais dogmas. Lutero, Calvino e outros hereges questionavam os próprios alicerces da Igreja Católica. Era como se as pessoas fossem compelidas a repensar o que era exatamente a Igreja Cristã, no que ela acreditava e como os seus membros deveriam praticar a sua fé. Algumas questões fundamentais surgiram naturalmente depois dos pontos de partida de Lutero haverem sido apresentados. Quais eram as fontes da autoridade: as escrituras, a tradição, ou ambas? E o que era a tradição: as obras dos padres da Igreja, os concílios gerais, os decretos papais ou todas essas alternativas? Quantos sacramentos havia, qual era o significado de cada um deles e para que fim eles se destinavam? Quem é que decidia sobre essas questões e em quais argumentos essas decisões deveriam se basear? Como a Igreja deveria ser administrada e como ela deveria celebrar a liturgia. 

Questões fundamentais do concílio

   O Concílio de Trento reuniu-se em três fases: de 1545 a 1548, de 1551 a 1552 e de 1562 a 1563. Havia muitas razões que causaram essa cronologia irregular, mas a principal delas tinha a ver com o facto de que a sua agenda era gigantesca e extremamente complexa e de que os tempos eram perigosos. As ações dos católicos não deveriam se resumir apenas à discussão e à implementação de reformas que fossem vantajosas à Igreja, mas também deveriam explicar de um modo completo, cuidadoso e efetivo os ensinamentos da Santa Igreja sobre os assuntos fundamentais que os protestantes haviam questionado.

   Devido ao elevado grau de conteúdos presentes em diversos tópicos, algumas vezes as decisões finais eram adiadas de uma fase à outra. Examinaremos as quatro principais questões: a da autoridade das escrituras e da tradição, a do papel dos bispos, a da doutrina e dos sacramentos e a das reformas.

As Sagradas Escrituras

   A primeira dentre as principais questões enfrentadas pelo concílio dizia respeito à autoridade das escrituras e da tradição. Nesse ponto os católicos e os protestantes discordavam essencialmente uns dos outros porque tinham diferentes respostas a questão: "qual a definição de autoridade e quem tem o poder de defini-la?". 

   A Sessão IV do concílio explica esta questão. A autoridade da Igreja baseia-se não apenas nas escrituras, mas também na tradição. Esta tradição inclui as obras dos grandes padres da Igreja, as declarações papais e os documentos conciliares, pois todos eles haviam sido guiados pelo Espírito Santo. A concepção católica de autoridade dependia da hierarquia da Igreja, considerada como o único agente a ter o direito e o poder de decidir o que deveria ser incluído ou excluído das escrituras e da tradição. Essa autoridade doutrinária vem sendo transmitida pela hierarquia da Igreja em uma sucessão iniciada com os apóstolos, inclui os padres da Igreja e os bispos, e se estendia até os membros do Concílio de Trento.

   Baseando-se nesses pressupostos doutrinários acerca das escrituras e da tradição, o Concílio Tridentino iniciou abordando aquilo que havia de mais fundamental entre as objeções protestantes.

A autoridade eclesiástica

   A segunda principal questão a ser abordada pelo Concílio de Trento era uma consequência direta da primeira: a da autoridade doutrinária dos bispos enquanto membros da hierarquia da Igreja. Essa questão era particularmente importante à luz do questionamento dos protestantes sobre a necessidade da existência do papa e dos bispos.

   Ensina o concílio, acerca disto, com o mesmo argumento da sucessão apostólica, deste modo, esclarecendo mais uma questão.

   O Concílio Tridentino reiterou a jurisdição e a dignidade do sacerdócio e, especialmente, a do episcopado. Somente um papa poderia julgar um bispo acusado de haver cometido crimes de maior gravidade ou heresia.

   Para auxiliar no combate a essa situação, o concílio renovou todas as normas instituídas anteriormente que resguardavam a dignidade dos bispos e que condenavam a subserviência às autoridades civis. Essa determinação lembra as diversas regulamentações que haviam sido instituídas nos concílios gerais do primeiro milênio, especialmente o de Constantinopla IV, que quase setecentos anos atrás havia tomado medidas contra os rumores de que membros graduados do governo se fantasiavam de sacerdotes e de bispos e participavam de "pretensas" liturgias.

A ortodoxia católica
   
   A terceira questão mais importante a ser discutida pelo concílio se referia à doutrina. Para combater as heresias protestantes, a Igreja tinha de manifestar a verdade católica. Logicamente, os bispos reunidos em Trento abordaram inicialmente o conceito de pecado original e, em seguida, o conceito de justificação, que são as duas ideias centrais da teologia cristã. Os bispos do concílio, na 5° sessão,  enfatizaram que o pecado original de Adão marcara a a cada alma, que, em resultado disso, tinham de ser purificadas pelo batismo. Essa declaração confrontava-se com diversas ideias protestantes, pois algumas delas afirmavam que o pecado de Adão apenas criara uma predisposição ao pecado entre o Povo de Deus e que Adão somente contaminaria a si mesmo.

   Quanto à justificação, que a maioria dos grupos protestantes considerava basear-se apenas na fé, o concílio reiterou a importância central das obras, que, juntamente com a fé, atuavam em harmonia com a graça divina (Tg:2,26).

   Ao abordar o pecado original e o conceito de justificação, o Concílio Tridentino também foi obrigado a discutir os sacramentos. Os bispos no concílio nomearam e definiram cuidadosamente os sete sacramentos da Igreja como batismo, confirmação, Eucaristia, penitência, extrema-unção, ordem e matrimônio, além de descrever as razões pelas quais cada um deles era considerado um sacramento, bem como o modo como eles afetavam a vida de cada fiel.

   Juntamente com a justificação, o pecado original e o número e o significado dos sete sacramentos, o Concílio teve de se encarregar de uma outra grande questão relativa a um sacramento sobre o qual até mesmo os protestantes divergiam entre si: o significado da eucaristia. Alguns deles acreditavam que na eucaristia o pão e o vinho continuam a ser pão e vinho, mas, ao mesmo tempo, realmente se transformavam no corpo e no sangue de Nosso Senhor (a chamada consubstanciação). Outros protestantes afirmavam que o corpo e o sangue de Jesus jamais poderiam estar verdadeiramente presentes, pois o pão e o vinho eram meros símbolos de Cristo, e que a "Ceia do Senhor", conforme os protestantes tendiam a chamar a eucaristia, era uma rememoração da Última Ceia ao invés de um sacrifício.

   O Concílio de Trento retomou o uso do termo "transubstanciação", que havia sido empregado pelo Concílio de Latrão IV em 1215. A Igreja reafirmou que o corpo e o sangue de Cristo estavam verdadeiramente presentes na Eucaristia. A missa era realmente um sacrifício, e não uma rememoração. Além do mais, a presença real de Cristo ainda persistia mesmo depois de concluída a missa, o que possibilitava aos católicos preservar a Eucaristia em tabernáculos e exibi-la em demonstrações de adoração, em procissões e e bênçãos fora da missa.

Reformas na Igreja

   A última das quatro questões principais abordadas no concílio dizia respeito às amplas reformas que se faziam necessárias e que os concílios anteriores não haviam conseguido delinear e implementar de modo satisfatório, se é que haviam conseguido implementar alguma. Essas reformas afetavam de alto a baixo quase todos os aspectos da vida da Igreja.

   O Concílio de Trento reafirmou a importância da pregação e determinou que os sacerdotes deveriam pregar todo domingo e em todos os dias festivos. Foram tomadas as providências para melhorar o conhecimento que os sacerdotes tinham das escrituras para que pudessem dividi-lo adequadamente com os seus paroquianos; essas providências também seriam muito bem-vindas àqueles sacerdotes que ainda lutavam contra o analfabetismo. o Concílio Tridentino permitiu aos bispos que suspendessem os ministros que eram "inadequados ou incompetentes" e em três ocasiões fazia um alerta contra os pregadores itinerantes que recusavam sujeitar-se à autoridade de qualquer bispo ou a de seus superiores de ordens religiosas.

   Um aspecto importante das reformas referentes aos sacerdotes e às paróquias foi a fundação de seminários pelo concílio para formar os padres. Embora houvesse alguns precursores de lugares destinados exclusivamente à formação espiritual e intelectual dos futuros ministros, os seminários datam apenas de 1563. Os bispos do concílio elaboraram diretrizes sobre as matérias que os candidatos ao sacerdócio deveriam estudar, sobre as qualificações que os seus professores deveriam ter, sobre como o seminário deveria ser financiado e sobre os procedimentos que deveriam ser ser adotados para avaliar os homens que postulavam a ordenação.

   Outras reformas visavam combater o mundanismo e a ganância que vinham assolando vários membros do clero ao longo dos séculos. Com um maior ou menor grau de rigor e de eficácia, o concílio promulgou leis contra a simonia, o concubinato, o nepotismo e os benefícios hereditários. Todo sacerdote encarregado de zelar pelas almas de seu rebanho, fosse ele um pastor de uma paróquia ou um bispo de uma diocese, deveria viver junto com o seu povo; essa norma combatia os problemas persistentes e interligados do pluralismo e do absenteísmo.

A questão das indulgências

   Lutero odiava a ideia de indulgências, por ser um herege que negava não somente a concepção verdadeira da redenção e do pecado original, mas por que era contra o dogma do purgatório. o concílio em sua sessão XXV, sob o pontificado de Pio IV, esclarece não somente a doutrina do purgatório  mas também acerca da veneração às imagens e o culto aos santos.

   O heresiarca de Wittenberg acusava a Igreja de vender indulgências porque o papa de sua época, Leão X, havia concedido indulgências àqueles que contribuíssem materialmente para a reforma da basílica de São Pedro em Roma. Lutero sabendo disso se aproveitou da situação após relatar algumas praticas abusivas de religiosos referentes a causa da basílica Romana na Alemanha.

   O concílio condenou essas praticas abusivas, contra as quais o Concílio de Latrão IV já havia alertado há 350 anos. O Concílio de Trento aboliu tanto o título quanto o cargo daqueles que praticavam tais abusos e obviamente reafirmou a doutrina acerca das indulgências.

Encerramento




   Após longos e conturbados dezoito anos, o Concílio de Trento finalmente estava concluído. O concílio foi a resposta dada à Revolução protestante pelo supremo Magistério eclesiástico e consequentemente promovendo uma renovação extraordinária na Igreja. Deram-se normas claras à teologia e à pregação da fé; definiu-se oficial e autorizadamente, mas não se distinguiu onde não havia ainda distinção. Opôs-se à Revolução de Lutero a reforma católica, mas não se restaurou simplesmente a Idade Média. Ao contrário, houve um desenvolvimento e avanço muito significativos na vida eclesiástica. Trento já não foi uma assembleia da cristandade indivisa na fé como no Concílio de Latrão IV ou o de Constança, nem resplandeceu, como aqueles, nos fulgores de um papa rei e de um imperador, mas foi, segundo seu exterior, um ato mais modesto e por isso mesmo mais eficaz e duradouro de renovação própria.


   Apesar disso, dificilmente poderia ter exercido sua eficácia eclesiástica e histórica através dos séculos; ao contrário teria permanecido letra morta, se o papado, com toda a sua autoridade, não se tivesse empenhado na realização e no complemento dos seus decretos, emprestando-lhes força e vida. Pio IV criou, a 2 de agosto de 1564, uma congregação cardinalícia para interpretação autêntica dos seus decretos. Seu sobrinho, São Carlos Borromeu, como arcebispo de Milão, por sua atividade, tornou-se o protótipo de um pastor tridentino. São Pio V, sucessor de Pio IV, enviou, para observação, as edições oficiais dos decretos conciliares a todos os bispos; elas chegaram até à América e ao Congo; à Alemanha levou-as São Pedro Canísio. Executando uma resolução do concílio, mandou ele publicar o "Catecismo Romano", um manual de doutrina da fé, baseando nas definições tridentinas, a serviço dos vigários, bem como um breviário emendado e o missal, cuja reforma foi iniciada, mas não terminada no concílio. Sob o  pontificado de Gregório XIII (1572-1585) os núncios foram encarregados da tarefa de velar pela execução dos decretos conciliares.

Referências bibliográficas: 

JEDIN, Hubert; Ecumenical councils in the catholic church, 1960.


BELLITTO, Christopher M.; The General Councils: A history of the twenty-one Chruch Councils, 2002.


DOCUMENTOS DO SACROSSANTO CONCÍLIO DE TRENTO, 1563.











   

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