CONCÍLIO DE CONSTANÇA (1414-1418)


    É inconcebível tentar compreender os concílios de Constança e de Basileia-Ferrara-Florença-Roma fora do contexto do Grande Cisma do Ocidente (1378-1417). Tão importante quanto este cisma foi o desafio de um princípio bastante abrangente chamado conciliarismo que, em maior ou menor grau, sustentava a ideia de que um concílio ecumênico tinha mais poder do que um papa, ou, no mínimo, considerava a autoridade de um concílio geral igual à do papado. "Qual é o poder e posição de um concílio geral?" tornou-se questão chave no decorrer do século XV. Por essa razão, devemos aprender um pouco sobre o seu contexto antes de examinar os concílios de Constança e de Basileia-Ferrara-Florença-Roma.

O Grande Cisma do Ocidente

   O Cisma Ocidental se refere a um período de quase quarenta anos (1378-1417) da Igreja ocidental quando dois e, pouco depois, três papas tiveram simultaneamente a pretensão de ser o verdadeiro sucessor de São Pedro e o legítimo bispo de Roma.

   Quase na mesma época em que ocorreu o cisma, uma discussão sobre a autoridade conciliar, que já havia começado a ser esboçada ao longo do século XIV, adquiria maior relevância, especialmente no início do século XV e graças à persistência do cisma. No entanto, o conciliarismo não era um conceito monolítico e indiscutível. Havia uma série de gradações, e algumas delas poderiam ser classificadas como mais ou menos "constitucionalistas" ou "democráticas". A maioria dos conciliaristas defendia em algum grau a ideia fundamental de que a Igreja era uma corporação.

   Os conciliaristas mais radicais acreditavam que, em última análise, a maior autoridade da Igreja era o concílio geral, independentemente do comparecimento do papa a ele. Outros conciliaristas sustentavam que havia uma espécie de parceria entre o papa e o concílio, mas tendiam a dar ao papado apenas o status de uma autoridade delegada ou administrativa, como se o papa fosse apenas um "primeiro ministro" nomeado pelo concílio.

   A ruptura entre Roma e Avignon proporcionou aos conciliaristas a oportunidade de colocar as suas ideias em prática. A circunstância extrema e extraordinária do Grande Cisma do Ocidente pareceu se ajustar exatamente às suas ideias. Tudo levava a crer que um concílio geral podia, e agora iria, se reunir sem a presença de um papa.

   O Sínodo Regional de Pisa depôs o papa avinhense Bento XIII e o papa romano Gregório XII sob a acusação de que eles eram heréticos e cismáticos. O problema em Pisa foi que nem todos concordaram com a solução para o cisma. Em sua pressa de eleger um papa que, em teoria, teria a obediência de todos, os cardeais não se certificavam se todas as partes envolvidas iriam aceitar o novo papa, independentemente de quem fosse eleito. Devido à ausência desse acordo prévio em que todos aceitariam quem quer que fosse eleito, o cisma, que já contava com dois papados, passou a ter três. Alexandre V, o papa "conciliar" ou "pisano", não foi capaz de reagrupar todos os cristãos em torno de si e de obter o reconhecimento completo, embora tivesse sido eleito por unanimidade pelos cardeais reunidos no Sínodo de Pisa. Portanto, Alexandre nomeou o seu próprio colégio de cardeais, fazendo com que houvesse ao todo três papas, três cúrias e três colégios cardinalícios. O Sínodo de Pisa apenas piorara a situação.

Constança

   A tarefa de unir novamente a Igreja coube a um outro concílio geral, o de Constança (1414-1418), que se reuniu alguns anos depois, mas esse concílio esteve sob a constante e ameaçadora sombra que o Sínodo de Pisa havia conjurado. Se o Concílio de Constança fosse incapaz de acabar com o cisma, tornado ainda pior com a presença de três papados ao invés de apenas dois, a Igreja teria de enfrentar uma divisão que poderia se tornar permanente. A própria noção de concílios gerais se encontrava em perigo, pois, se no passado os concílios haviam ajudado a solucionar problemas, o Sínodo de Pisa havia piorado ainda mais a situação que eles se propuseram a resolver.

   Desde o começo, Constança teve uma vantagem sobre Pisa, pois havia sido convocado por um dos papas rivais, que, com isso, conferiu-lhe alguma legitimidade. Depois da morte de Alexandre V, João XXIII o sucedeu como papa conciliar ou pisano (seu nome e sua numeração estão corretos - ele fora deposto em 1415, fazendo com que seu nome pudesse ser adotado novamente por Angelo Roncalli, quando este foi eleito papa em 1958). João XXIII convocou o Concílio de Constança sob pressão, pois, à semelhança dos outros dois papas, temia ser deposto. Mas o Sacro Império Romano que havia sido eleito à época, Sigismundo, parecia favorecer João XXIII, de modo que este poderia contar com sua reeleição ao papado mesmo se fosse deposto em Constança. 

   O Concílio que se reuniu em Constança atribuiu a si mesmo três tarefas principais: unificar a Igreja sob o comando de um único papa, reformar a Igreja e combater a heresia. A questão relativa à unificação da Igreja teve precedência sobre as outras, mas foi abordada no contexto das principais questões sobre a autoridade papal e conciliar.

   O Próximo passo a ser tomado pelos membros do concílio foi o de procurar exercer o quanto antes a autoridade final que eles afirmavam possuir por meio da declaração "Haec sancta synodus". Seu primeiro ato foi a deposição de João XXIII, em maio de 1415. A seguir, visando acima de tudo demonstrar que o concílio era competente e tinha autoridade para julgar questões pertinentes à fé, seus delegados tomaram uma decisão sobre as alegações de heresias que pesavam contra um popular reformador, sacerdote e pregador tcheco chamado Jan Hus.

   Ao mesmo tempo em que esses acontecimentos se desenrolavam, os membros do concílio procuravam encontrar um meio de acabar com o cisma. Gregório XII, o papa romano, concordou em renunciar pelo bem da Igreja, mas só depois dos seus dois delegados haverem convocado formalmente o concílio em seu nome. Na opinião de Gregório XII, esse ato legitimaria todas as medidas que o Concílio de Constança havia tomado até então, além de favorecer a pretensão de Roma de continuar a ser a sé de São Pedro e de manter a linha de sucessão dos papas, Com João XXIII e Gregório XII fora do páreo, os delegados do concílio e o próprio Sigismundo procuraram encontrar um meio de forçar a renúncia de Bento XIII, que nunca chegou a ocorrer. Temendo que houvesse um novo cisma, os membros do concílio procuraram agir com bastante vagar, pois não queriam ser acusados de precipitar uma eleição e de piorar ainda mais a situação, o que seria repetir exatamente o que havia ocorrido no Sínodo de Pisa em 1409. Somente quando todos os seus membros conseguiram comprovar que haviam feito sem sucesso todas as tentativas possíveis para se chegar a um acordo é que eles finalmente depuseram Bento XIII em julho de 1417.

   Os delegados de Constança chegaram à conclusão de que seria melhor aumentar o número de participantes do conclave, pois temiam que os colégios de cardeais rivais adotassem posições diferentes e acabassem paralisando o conclave, fazendo com que nenhum dos candidatos pudesse reunir os votos necessários para se eleger.

   Surpreendentemente, depois de trinta e nove anos de cisma, em novembro de 1417, esse conclave ampliado levou apenas três dias para eleger como papa um cardeal chamado Odo Colonna, que em diferentes ocasiões havia apoiado Gregório XII, o Concílio de Pisa e João XXIII. Ele adotou o nome de Martinho V e, durante o seu pontificado, conseguiu manter com sucesso a obediência de toda a Europa. O cisma finalmente havia terminado, e tudo isso graças a um concílio geral. 

   O cardeal Filástro (um dos presentes na época) assim encerra seu diário que havia escrito sobre o concílio: "foi mais difícil de convocar do que todos os outros concílios anteriores, em seu decurso foi muito singular e maravilhoso, mas também mais perigoso do que eles; enfim ultrapassou-os no que diz respeito à duração". Tem razão Filástro: o Concílio de Constança durou mais do que todos os outros concílios anteriores, que, em sua maior parte, cumpriram sua missão em poucas semanas ou meses.


Referências bibliográficas: 

JEDIN, Hubert; Ecumenical councils in the catholic church, 1960.


BELLITTO, Christopher M.; The General Councils: A history of the twenty-one Chruch Councils, 2002.

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