CONCÍLIO DE BASILEIA-FERRARA-FLORENÇA (1431-1445)

 


   O conflito entre o poder primacial papal e o conciliarismo foi inevitável. No entanto, é duvidoso que esse conflito teria tomado um curso tão dramático e tão perigoso para o Papado, se o sucessor de Martinho V, Eugênio IV (1431-1447), sobrinho de Gregório XII, a despeito de toda a sua piedade e beneficência, não tivesse sido tão indeciso e dependente do seu ambiente. O episcopado estava cansado dos concílios. Seu cansaço ainda não tinha sido superado. O Concílio de Basileia, o 17.° Concílio Geral, foi instalado, a 23 de julho de 1431, pelos representantes do legado papal Cesarini, sem que um só bispo estivesse presente. Até o outono a representação permaneceu tão fraca que o papa se sentiu autorizado a dissolvê-lo, a 18 de dezembro. O que se temia já em Siena aconteceu então:  o concílio se recusou a obedecer. Quando a bula de dissolução deveria ser promulgada os participantes do concílio abandonaram a assembleia e Cesarini demitiu-se da presidência. Renovou-se o decreto "sacrossancta" de Constança e exigiu-se do papa que a dissolução fosse anulada, e, até ele foi convidado a prestar contas ao concílio. O pensador mais profundo da época, Nicolau de Cusa, junto ao rio Mosel, escreveu naquele tempo em defesa do concílio sua "Concordantia Catholica". O concílio dispunha de defensores poderosos: o rei Sigismundo e o príncipe Visconti de Milão.

Basileia

   O papa Eugênio IV convocou um concílio geral que se reuniu em Basileia em julho de 1431. Como no início o número de participantes havia sido muito reduzido, o papa decidiu dissolver o concílio em dezembro do mesmo ano. No entanto, os delegados do concílio, surpreendentemente liderados pelo próprio legado de Eugênio e pela maioria de seus cardeais, se recusaram a deixar Basileia e reagiram vigorosamente contra a sua ordem. Eles intimaram o papa a comparecer em Basileia e exigiram que retirasse a sua declaração de dissolução do concílio. 

   Como Eugênio IV se encontrava politicamente enfraquecido e muitos países apoiaram o Concílio de Basileia, ele teve de ceder a esse ressurgimento do conciliarismo. Em dezembro de 1433, ele reconheceu que o concílio que estava em andamento em Basileia havia sido legítimo desde o seu início em julho de 1431. Os delegados do concílio haviam obtido uma vitória e, em 1434, fizeram questão de reafirmar, palavra por palavra, a validade do decreto "Frequens", repetindo o que já haviam feito em 1432, logo depois de Eugênio haver declarado a dissolução do concílio e dos seus delegados defenderem a sua continuação. Dois anos depois, em 1436, o Concílio de Basileia ainda continuava a proclamar os seus princípios conciliares. Os seus delegados passaram a exigir que os novos papas se comprometessem a convocar os concílios gerais com regularidade, e para combater à possibilidade dos papas fazerem um uso seletivo de sua memória, exigiram que eles fossem lembrados de sua promessa no aniversário de sua eleição ou quando de sua consagração.

   Em 1438, depois de todos esses acontecimentos, o concílio passou aos outros tópicos que constavam em sua agenda, embora o contexto permanecesse sendo a disputa de poder entre o papa e o concílio. O principal tópico se referia a uma tentativa de reconciliação entre as Igrejas oriental e ocidental, um esforço que remetia às deliberações tomadas em Lyon II. Essa questão passou a fazer parte do conflito que existia entre o Concílio de Basileia e Eugênio IV.

A transferência do concílio para Ferrara e posteriormente Florença

   A discordância entre a maioria e a minoria dos membros do Concílio de Basileia acabou por dividir o concílio. Eugênio transferiu aquele que considerava como o legítimo geral de Basileia para Ferrara, e em seguida para Florença, em 1439. Nesse ínterim, um grupo de delegados que havia permanecido em Basileia declarou que seu encontro, e não o do papa, era a verdadeira continuação do Concílio de Basileia. O grande empenho de Eugênio em resolver todas as questões do Concílio que se seguiu em Ferrara e Florença acabou fortalecendo a sua pretensão de como papa, ser o representante final da Igreja, em oposição ao conciliarismo que era muito vigente na época. 

   Finalmente, depois de difíceis negociações, os gregos aceitaram a primazia papal, inclusive a declaração de que os papas tinham "plenos poderes para supervisionar, dirigir e governar a Igreja como um todo", mas a sua concordância, do mesmo modo que havia ocorrido em relação às outras questões, era, na melhor das hipóteses, bastante frágil.

   Os delegados do Oriente e do Ocidente anunciaram a sua reunião por meio de um decreto escrito tanto em grego como em latim, apropriadamente intitulado "Laetentur coeli" [Que o céu se regozije]. Mas esse regozijo durou pouco, pois, do mesmo modo que havia ocorrido depois do Concílio de Lyon II, o fracasso substituiu o otimismo inicial quando logo se tornou evidente que esse acordo não poderia perdurar. Assim que retornaram ao Oriente, os delegados gregos começaram a discutir entre si sobre o que havia acontecido e o imperador do Oriente acabou não promulgando o decreto "Laetentur coeli". Os delegados do Concílio de Florença e o papa não haviam aprendido a lição do Concílio de Lyon II e de seus resultados. Em sua pressa de declarar a união com os gregos, eles deixaram de abordar de um modo completo as questões que continham atrás de si uma longa história de complexa política eclesiástica e uma teologia bastante sutil. Em consequência disso, o Oriente e o Ocidente ainda permaneceriam divididos.

O Desfecho do concílio

   Os delegados que haviam se recusado a comparecer a Ferrara e Florença continuaram a se reunir em Basileia e a declarar que o seu encontro, e não o que era liderado por Eugênio, é que era o legítimo concílio geral. Suas declarações tornavam-se cada vez mais extremadas na medida em que passaram a expressar e a colocar em prática princípios conciliares cada vez mais contundentes, o que acabou levando à perda contínua do apoio do poder secular. Eles declararam que o princípio da superioridade de um concílio geral em relação ao papa, que estava no cerne do decreto "Haec sancta synodus", deveria ser considerado como um artigo de fé do cristianismo. Em 1439, "depuseram" Eugênio IV e elegeram um novo papa, que adotou o nome de Félix V. Ironicamente, o conciliarismo havia conquistado sua maior vitória em Constança, quando o conclave então ali reunido elegeu Martinho V, em 1417, para acabar com o Grande Cisma Ocidental. Mal havia se passado duas décadas, outro concílio ecumênico (ou, mais apropriadamente de acordo com a história e o veredicto final da Igreja, um grupo que pretendia possuir a autoridade de um concílio geral) deu origem a outro cisma por meio desta eleição de Félix V, que consta nos registros da Igreja como antipapa. 

   A reação de Eugênio IV foi direta e bastante clara: ele ordenou que Félix V abandonasse a sua pretensão ao papado e que passasse a reconhecer Eugênio IV como o verdadeiro papa. Quase sem nenhum apoio e até mesmo com Félix V hesitando, os membros remanescentes do Concílio de Basileia decidiram tomar uma medida drástica em 1449. Eles "elegeram" Nicolau V como papa, que estava de facto exercendo o seu pontificado como sucessor de Eugênio IV há vários anos. Em nome da paz, Nicolau aceitou "abdicação" de Félix em 1449 e o nomeou cardeal. A seguir, os poucos membros que ainda restavam desse Concílio de Basileia decidiram votar pela sua conclusão.


Referências bibliográficas: 

JEDIN, Hubert; Ecumenical councils in the catholic church, 1960.


BELLITTO, Christopher M.; The General Councils: A history of the twenty-one Chruch Councils, 2002.



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